1.2 Diferentes usos relacionados ao termo, primeiros levantamentos, estudos e publicações (o passado distante)


O Domesday Book (link) foi encomendado em dezembro de 1085 por Guilherme, o Conquistador (King William I), que invadiu a Inglaterra em 1066.

O primeiro esboço foi concluído em agosto de 1086 e continha registros de 13.418 assentamentos nos condados ingleses ao sul dos rios Ribble e Tees (a fronteira com a Escócia) com informações sobre terras, proprietários, uso da terra, empregados e animais cujo propósito básico era fundamentar a taxação (Figura 1.4).


Domesday Book

Figure 1.4: Domesday Book


O dramaturgo inglês William Shakespeare usou a palavra statists (estadistas e, portanto, num sentido não relacionado com números ou matemática) no diálogo da Cena II de Hamlet (link).


“Hamlet: Cercado assim por tantas vilanias, mesmo antes de eu poder dizer o prólogo, representava o cérebro. Sentei-me e escrevi com capricho nova carta. Já pensei, como os nossos estadistas, que é feio escrever bem, tendo insistido, até, em desaprendê-lo; mas, nessa hora muito bom me foi isso. Quererias saber qual o conteúdo da mensagem?[…]”


Um ponto de partida para a compreensão a ligação entre estado e estatística é Hermann Conring (1606-1681), professor de filosofia, medicina e política da Universidade de Helmstadt (atual Alemanha), criou um curso de Ciência política em 1660 para funcionários do estado, que descrevia e examinava as questões fundamentais do Estado. Nele a palavra estatística (parece ter) passado a ser considerada como uma disciplina autônoma que tinha por objetivo a descrição das coisas do Estado (Figura 1.5).


Hermann Conring (1606-1681)

Figure 1.5: Hermann Conring (1606-1681)


Microscopium Statisticum: quo status imperii Romano-Germanici cum primis extraordinarius, ad vivum repraentatur (Statistical Microscope: An Analysis of the State, in which the State of the Germanic Roman Empire is vividly represented, above all extraordinary) é um livro cujo título normalmente chama mais atenção do que seu conteúdo: o uso de statisticum – que significa do estado – é reconhecido como um dos primeiros passos em direção ao uso da palavra estatística como hoje empregamos (Figura 1.6). Foi publicado sob o pseudônimo de Helenus Politanus em 1672.


Microscopium Statisticum (ed. de 1672)

Figure 1.6: Microscopium Statisticum (ed. de 1672)


Johan Peter Süßmilch é mais conhecido por seu notável trabalho de 1741 sobre população, conectando o direito natural e a aritmética política. O trabalho de Süssmilch foi amplamente referenciado por Robert Malthus (1798). Ele reconheceu não apenas a “proporção geométrica” da fertilidade humana, mas também o efeito de padrões de vida mais elevados sobre o problema populacional (Figura 1.7).


The Divine order in the circumstances of the human sex (1741)

Figure 1.7: The Divine order in the circumstances of the human sex (1741)


Com um sentido não relacionado com números ou matemática, a palavra estatística parece ter sido também proposta no século XVII, pelo historiador e professor alemão (à época Transilvânia) Martin Schmeitzel (1679-1747) da Universidade de Jena e, posteriormente adotada por seu aluno, (igualmente) historiador e jurista Gottfried Achenwall (1719-1772) em 1749, em Abriß der neuen Staatswissenschaft der vornehmen Europäischen Reiche und Republiken (Esboço da nova ciência política dos nobres impérios europeus e repúblicas, Figura 1.8).


Abriß der neuen Staatswissenschaft der vornehmen Europäischen Reiche und Republiken (1749)

Figure 1.8: Abriß der neuen Staatswissenschaft der vornehmen Europäischen Reiche und Republiken (1749)


Muitos anos depois, William Hooper usou a palavra estatística em sua tradução de The Elements of Universal Erudition(Elementos da Erudição Universal) escrita por Jacob Friedrich Freiherr von Bielfeld (1717-1770). Nesse livro, a estatística foi definida como a ciência que nos ensina o arranjo político de todos os estados modernos do mundo conhecido (novamente num sentido não associado a números ou matemática, Figura 1.9).


The Elements of Universal Erudition  (1771)

Figure 1.9: The Elements of Universal Erudition (1771)


Na Inglaterra a palavra estatística estava mais associada ao estudo de dados numéricos como modo de se obter insights sobre questões sociais e demográficas no país. Dois pioneiros nessa linha foram William Petty e John Graunt. Em 1687 o economista e filósofo inglês William Petty (1623-1687) publicou Several Essays on Political Arithmetic (Vários ensaios sobre aritmética política), sugerindo ao governo inglês a criação de um departamento para registro de estatísticas vitais (Figura 1.10).


Several Essays in Political Arithmetick (ed. de 1699)

Figure 1.10: Several Essays in Political Arithmetick (ed. de 1699)


O negociante inglês John Graunt (1620-1674) substituiu a crença pela evidência em Natural and Political Observations Mentioned in a Following Index and Made upon the Bills of Mortality (Observações naturais e políticas feitas sobre as notas de mortalidade).


Nesse trabalho, realizado com dados coletados das paróquias de Londres entre 1604 e 1660, Graunt tirou as seguintes conclusões: que havia maior nascimento de crianças do sexo masculino, mas havia distribuição aproximadamente igual de ambos os sexos na população geral; alta mortalidade nos primeiros anos de vida; maior mortalidade nas zonas urbanas em relação às zonas rurais (Figura 1.11).


Natural and Political Observations Mentioned in a Following Index and Made upon the Bills of Mortality (ed. de 1662)

Figure 1.11: Natural and Political Observations Mentioned in a Following Index and Made upon the Bills of Mortality (ed. de 1662)


O matemático e astrônomo inglês Edmond Halley (1656-1742) construiu em 1693, baseado em dados coletados na cidade (à época) alemã de Bresláu, uma Life Table (Tábua de sobrevivência), um estudo que analisa as probabilidades de sobrevivência e morte em relação à idade (Figura 1.12).


Halley’s life table (1693)

Figure 1.12: Halley’s life table (1693)


O jurista e político escocês John Sinclair propôs que se realizasse uma detalhada pesquisa em 938 paróquias para elucidar a história natural e política de seu país ( Statistics Accounts ). Essa pesquisa fazia parte de um projeto muito mais ousado: The Pyramid of Statistical Enquiry (A Pirâmide da Pesquisa Estatística, Figura 1.13).


The Pyramid of Statistical Enquiry  (1814)

Figure 1.13: The Pyramid of Statistical Enquiry (1814)


Outro trabalho com vertente demográfica foi o de Sébastien Le Prestre, Marquês de Vauban (1633– 1707), intitulado Méthode générale et facile pour faire le dénombrement des peuples, detakhado num livro de 1686 (Figura 1.14).


Méthode générale et facile pour faire le dénombrement des peuples (1686)

Figure 1.14: Méthode générale et facile pour faire le dénombrement des peuples (1686)


O médico inglês (considerado por alguns como o “pai” da epidemiologia moderna) John Snow (1813-1858) estudou a dispersão espacial dos casos de cólera em Londres e concluiu que sua causa residia na contaminação da água consumida (poço localizado na Broad Street, no distrito do Soho): Report to the Cholera Outbreak in the Parish of St. James, Westminster during the Autumn of 1854 (Relatório sobre o surto de cólera na paróquia de St. James, Westminster durante o outono de 1854, Figura 1.15).


Mapa dos casos de cólera (1854)

Figure 1.15: Mapa dos casos de cólera (1854)